Violência contra a mulher e fiança: uma combinação inadmissível



O ano de 2006 é um marco para o enfrentamento da violência contra a mulher no Brasil. Desde então, com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha, o país tem intensificado campanhas de incentivo à denúncia contra esse verdadeiro mal crônico da sociedade. O “Disque 180”, as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher e a própria Polícia Militar são meios hábeis para a realização dessas denúncias.
A violência doméstica e familiar contra a mulher é conceituada, pela Lei Maria da Penha, como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. O Brasil, segundo o Conselho Nacional de Justiça, amarga um cruel 5º lugar no ranking mundial dos países mais violentos com mulheres. Isso significa que é preciso ir além da denúncia e que ainda precisamos de políticas mais eficazes.
Isso porque, ao passo que campanhas realizadas pelos governos federal, estadual, municipal e distrital tentam fortalecer vítimas e sociedade para a denúncia, há mulheres que, apesar de denunciarem, permanecem desprotegidas.
Em Pernambuco, no mês de maio de 2018, um homem agrediu e tentou matar a companheira. Foi solto após pagar fiança. No mesmo mês e ano, em Bragança Paulista, outro agressor violentou uma mulher com uma barra de ferro. Igualmente, foi solto após pagar fiança. No Maranhão, em novembro de 2017, um homem espancou e tentou atropelar a ex-exposa. A fiança foi paga, e ele foi solto.
Nesse sentido, há um projeto de lei sujeito à apreciação do Plenário da Câmara dos Deputados, de autoria da deputada Flávia Morais (PDT/GO), que visa a acrescentar à Lei Maria da Penha a vedação de concessão de fiança nos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher. Trata-se do PL 6997/2017, que, se aprovado, significa mais um passo rumo a uma efetiva proteção para a vítima.
Afinal de contas, é preciso compreender que o ato de denunciar já é deveras corajoso. Não é fácil para a vítima expor uma ferida tão sensível como é a agressão que vem de alguém com quem escolheu ter uma relação íntima ou, muitas vezes, com quem escolheu ter um laço matrimonial. Nas palavras da professora Elaine Reis Brandão, doutora em saúde coletiva, “a denúncia do parceiro à polícia significa certo rompimento de sua parte com a reciprocidade familiar, embora como resposta às rupturas causadas pelos homens nesse contexto”.
Considerando, então, que a vítima teve coragem de romper com o clico de violência que vem sofrendo, é necessário que o Estado forneça os meios para sua proteção, mantendo-a afastada da continuidade dessas agressões. Infelizmente, a concessão de fiança tem sido um obstáculo à credibilidade da real proteção da mulher. Apesar de ser um mecanismo legal, disposto no Código de Processo Penal brasileiro, no caso da violência doméstica e familiar contra mulheres, a fiança é irracional. Proporciona ao agressor a chance de retomar ao convívio social e dá a ele a oportunidade de concretizar ameaças, de continuar sendo agressivo e, sobretudo, configura uma dupla agressão à mulher, que, além de sofrer violência, tem que lidar com o medo que a liberdade de seu agressor causa.
 Como se não bastasse, exemplos como os ocorridos em Pernambuco, São Paulo e Maranhão dão à sociedade e às mulheres, especificamente, a impressão de que a denúncia não tem nenhuma utilidade, pois um simples pagamento de fiança acaba soando mais importante do que a segurança da vítima. Isso fortalece o agressor, enquanto enfraquece a vítima, enfraquece a legislação e enfraquece qualquer campanha em prol de denúncias.
Haverá, portanto, um avanço em caso de aprovação do PL 6997/2017, que irá instituir a proibição de fiança em casos como esses. Enquanto isso não ocorre, é preciso que haja uma consciência comunitária de proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar, com apoio, vigilância e, sobretudo, empatia, a fim de que o agressor não acredite que tem espaço e meios para continuar sendo um criminoso com aval da justiça.

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